Please use this identifier to cite or link to this item: http://hdl.handle.net/11067/6721
Title: A liberdade procriativa : contributo para uma reflexão ético-jurídica em torno do fundamento e dos limites do biocontrato de gestação de substituição
Author: Araújo, Marisa Isabel Almeida
Advisor: Almeida, Alberto Francisco Ribeiro de
Keywords: Direito
Direito e ética
Biodireito
Biotecnologia - Vida humana
Gestação de substituição
Procriação Medicamente Assistida
Direitos Humanos
Direitos das Mulheres
Direito das Crianças
Issue Date: 2022
Abstract: As escolhas reprodutivas das pessoas definem as suas vidas como provavelmente nenhuma outra decisão que possam tomar. Desde pessoas que querem ter filhos/as a outras que não os/as desejam de todo, desde as que, por opção ou sem outras opções, recorrem à adoção, àquelas que querem manter com os/as descendentes uma relação biológica. As escolhas reprodutivas marcam um caminho para a constituição da família. Os últimos dados disponíveis publicados pela Organização Mundial de Saúde indicam que 48 milhões de casais e 186 milhões de indivíduos pelo mundo são afetados por infertilidade, levando a que estas pessoas, além da adoção, recorram às opções científicas disponíveis para cumprir o desejo de ter um(a) filho/a. Mas a ciência tanto abriu caminho para atuação preventiva ou, em muitos casos, até seletiva, com a possibilidade do diagnóstico genético pré-implantação e a seleção embrionária, e que muitos apelidam de eugénica, como se imiscuiu definitivamente na reprodução e deu origem a uma (bio)revolução. As diferentes técnicas de procriação medicamente assistida, incluindo com recurso a terceiros numa dimensão de outsourcing de gâmetas, embriões ou de capacidades reprodutivas, permitem que casais inférteis — um ou ambos os membros de casal —, solteiros/as ou portadores de patologias que não permitem a utilização dos seus gâmetas, ou ainda em casos em que, mesmo sendo fértil, a mulher é insuscetível de gerar ou manter uma gravidez, cumpram o objetivo de produzir descendência. Ademais, passando pela placa de petri, as soluções biotecnológicas permitem que a orientação sexual das pessoas e dos casais deixe de ser um entrave, considerando a suscetibilidade da reprodução assexuada que a ciência confere. A procriação medicamente assistida posicionou-se assim como meio para a democratização da construção de novas famílias e novas conceções de família. Contudo, se por um lado criou beneficiários/as destas tecnologias, por outro fomentou um mercado de prestadores/as de serviços, numa interseção entre género, poder, biopolítica(s) e demografia, bem como contingências socioeconómicas, dando causa em muitas situações a novas formas de exclusão. Tudo isto num mercado global, colocando novos dilemas e desafios com um expressivo contexto local, cultural e social, assim como religioso, que tem merecido o denominado «veto moral» a muitas das (ou a todas as) técnicas, desafiando posições globais e locais numa zona marcadamente cinzenta entre o domínio público e a esfera privada. Neste contexto, subsumem-se os negócios para a contratação de uma gestante. A gravidez surrogatus (isto é, a substituição) desafia a tradicional conceção de família, mas sobretudo da maternidade e do princípio mater semper certa est. Está aberto um caminho para uma distinção entre a procriadora — em alguns casos remunerada pelo serviço que presta a outrem e por conta e no interesse de outrem — e a mãe. São, assim, traduzidos para o discurso mercantil assuntos que tradicionalmente não se lhe subsumiam. Ainda que remonte a tempos bíblicos, a gestação de substituição é uma realidade que se desenvolveu com os avanços biotecnológicos e, sobretudo no ocidente, casais e pessoas solteiras estão dispostas a pagar para ter um(a) filho/a recorrendo a jurisdições amigáveis em matéria de gestação de substituição e a «mercados» que ofereçam um bom serviço a um baixo custo, como qualquer consumidor almeja. Neste mercado global da procriação, a Índia, especificamente Anand, que se tornou afamada pelo baby boom a que a médica Patel deu causa, tornou-se o centro da indústria de «gestação» de bebés para pais/mães em países desenvolvidos que, com um custo entre os 6 e os 25 mil dólares por filho/a, fomentavam uma economia multimilionária, em muitos casos com acusações de exploração e comercialização de mulheres e crianças. Esta dimensão da procriação suscita, portanto, diversas questões éticas e legais, provocando inflamados debates e as posições estão altamente polarizadas. O presente estudo lidará com algumas das várias facetas que a temática suscita, apresentando-se fragmentado nesta delimitação, facto de que estamos cientes. Dessas diferentes questões e âmbitos que se suscitam, o tema e o objetivo deste estudo centram-se na análise e reflexão crítica do fundamento (ou da falta dele) dos biocontratos de gravidez e nas razões que conduzem as partes deste negócio a outorgá-lo. O pagamento à gestante continua, sem dúvida, a ser a peça principal que coloca as pessoas em polos opostos da barricada. Esta situação agudiza-se quando as posições divergentes são também legais, proliferando soluções distintas, o que eleva o problema a um campo de minas ético-legal. Impõe-se uma comparação entre diferentes soluções legais que abordam esta realidade e a resposta jurisprudencial a algumas das problemáticas que o negócio suscita. Através de um método de análise doutrinal e contributos jurisprudenciais, num raciocínio de equilíbrio reflexivo por forma a fazer uma avaliação crítica sobre o objeto de estudo, espera-se, em primeiro lugar, contribuir para uma análise e enquadramento da realidade subjacente às motivações para a contratação de uma gravidez, o fundamento do bionegócio e os direitos reprodutivos, a liberdade e a autonomia reprodutivas associadas ao recurso à contratualização da gestação e, por outro lado, o controlo da biotecnologia sobre os corpos das mulheres, considerados por muitas feministas novas formas de exploração numa perspetiva de novas formas de alienação, recorrendo à teoria de Marx. Por fim, uma reflexão e interpretação crítica sobre a admissibilidade ou não do bionegócio e em que termos. Este estudo é, em larga medida fruto do puzzle ético e legal que se suscita e mantém em torno da gestação de substituição, apesar do crescente apoio que a técnica tem recebido desde o caso Baby M na década de 1980. Visa-se analisar criticamente o diálogo ético-jurídico que o negócio suscita, numa ponderação necessária entre todos os interesses — da gestante, e da sua família, do/a(s) beneficiário(s)/a(s), do(s) doador(es) de gâmeta(s) e da própria sociedade —, mas norteados, tendo como seu princípio e fim, pelos melhores interesses da criança. Esta, independentemente do meio ou da forma como foi concebida e dos acordos que lhe estiveram subjacentes, goza de todos os direitos humanos, e que lhe devem ser garantidos, mormente das relações de parentalidade, que ditam também a sua própria identidade. Esta investigação centra-se num tema controverso, mas sobretudo sensível. A família é um fenómeno societário e, ainda que o ideal hegemónico da família nuclear seja cada vez mais distante, a complexidade e a dinâmica do fenómeno da parentalidade ganham novo afloramento com a gestação de substituição. Por isso, não é surpreendente a controvérsia que rodeia este negócio, quer a nível ético e legal, quer a nível social, moral e religioso. Neste afloramento, estamos cientes de que esta investigação, ainda que como qualquer outra sujeita à crítica, poderá levar a posições antagónicas por ir demasiado longe, ou ficar aquém, por constituir uma posição atentatória de direitos humanos, ou por não os salvaguardar como se impõe.
Reproductive choices can define people’s lives like, most probably, no other decision. From people that want children, to others that don’t want them at all, or even others that, as an option or because they don’t have any other option, decide to adopt a child, or for others that want to maintain a biological link to their decedents. Reproductive choices lead the way in family matters. Recent data from the World Health Organization shows that 48 million couples around the world and 186 million individuals are affected with infertility guiding them to adoption or to the scientific options available that can fulfill their desire to have a child. In fact, science opened new horizons, in a preventive path, or even, in many cases selective one, like the pre-implantation genetic diagnosis or embryo selection — that many label as eugenic — it reshaped reproduction and originated a true (bio)revolution. The different technics of Assisted Reproductive Technologies, including the access to the outsourcing of gametes, embryos, or wombs, have been becoming a solution to many infertile couples — one or the two members of the couple —, single individuals or others with pathologies that are an obstacle to use their own gametes, or even if the woman is unable to maintain a pregnancy, to achieve the goal to produce descendants. Besides all this, through the petri dish, biotechnological solutions have been permitting that sexual orientation is no longer an obstacle, considering that science opened a path to asexual reproduction. Assisted Reproductive Technologies are a way to the democratization of new family formations and new conceptions of family. Although, if, on one side, it created beneficiaries, on the other side it developed a new emergent market of suppliers, in an intersection of gender, power, biopolitics and demography, as well as socioeconomical contingencies, promoting new forms of exclusion in many cases. All of this develops in a global market, raising new dilemmas and challenges in an impressive local, cultural and social context, as well as a religious one, that has been calling for a «moral veto» to many (or to all) of the technics, defying global and local positions in a grey area between the public and private domains. It is within this context that the surrogacy arrangements arise. Surrogatus (i.e., surrogacy) defies the traditional conception of family but, must of all, maternity and the mater semper certa est principle. It has created a distinction between a breeder — in many cases paid for renting the womb to carry someone else’s child — and a mother. Motherhood is now in a mercantile discourse. Even if surrogacy first appears in biblical times, truth is that the practice came to the spotlight with the new era of biotechnologies and, most of all, in the west, couples or single people are most willing to pay for a child even if they have to travel to friendly jurisdictions in the matter of surrogacy and to surrogacy "markets” that, like any consumer wants, offer a good service for a low rate. In this procreation global market India, specifically Anand, became the epicenter of an industry of surrogates that many mothers and fathers from first world countries sponsored from 6 to 25 thousand dollars per child, feeding a multimillion-dollar economy, accused of exploitation and commodification of children and women. This dimension of procreation raises diverse ethical and legal questions, feeding inflamed debates and polarized positions. This work aims to make a study of some of the many issues that the theme raises, being fragmented for that reason. This is a fact we are aware of. Considering the different questions and areas, the theme and goal of this study relates itself in the analyses and critical thinking of the fundament (or the lack of it) of the surrogacy arrangements and the reasons that lead people to be a part of it. Compensation is, undoubtedly, one of the main issues that place people on one side or the other of the barricade. And the matter is aggravated considering that different legislators take different legal positions, which raises the problem to a new stage of the ethical-legal mine field that is already in. It is imperative to parallel different legal solutions and judicial decisions in relation to the questions in analyses. Through a method of analyses of the doctrine and judicial contributions, in a reflexive equilibrium, we aim at contributing to the study and framing of motivations that lead people to a surrogacy arrangement, the fundament of the bio contract and the reproductive rights, freedom and reproductive autonomy associated to a surrogacy arrangement and, on another side, the biotechnological control of women’s bodies, considered by many feminists as news forms of alienation, according to a Marxist theory. At last, a critical analysis and interpretation about the admissibility or not of the bio contract, and in what terms. This study is largely the result of the ethical and legal puzzle that arises in surrogacy matters, even considering the clear growing of acceptance the technique is receiving since the Baby M case in the 1980s. With this background we aim to analyze the ethical-legal dialogue around the contract, in a needed ponderation between all interests — those of the surrogate and her family, the intended mother and/or father, gamete donors and society itself —, guided by the children’s best interests as a principle but also as the end to be achieved. Despite the way they are conceived and the agreements that led to it, they need to have their human rights guaranteed, including parental relations included in their own identity. This investigation centers focuses on a controversial theme, but mainly a sensitive one. Family is also a social phenomenon, and, in a far distant hegemonic nuclear family ideal, the complexity and the dynamic of parenthood gain a new coloring with surrogacy. For that, the severe controversy surrounding this arrangement in an ethical and legal level, but also in a social, moral and religious one does not come as a surprise. In this new path we are very aware that this study, like others, can be criticized and lead to antagonism, either for going too far or, in the extreme opposite, for not going far enough, for leading to a human rights violation or, again on the opposite field, for not recognizing new dimensions of human rights.
Description: Exame público realizado em 3 de novembro 2022, às 15h
Tese de Doutoramento em Direito
URI: http://hdl.handle.net/11067/6721
Document Type: Doctoral Thesis
Appears in Collections:[ULP-FD] Teses

Files in This Item:
File Description SizeFormat 
288714 Marisa Almeida Araújo.pdf
  Restricted Access
Tese de doutoramento6,11 MBAdobe PDFView/Open Request a copy


FacebookTwitterDeliciousLinkedInDiggGoogle BookmarksMySpace
Formato BibTex mendeley Endnote Logotipo do DeGóis Logotipo do Orcid 

Items in DSpace are protected by copyright, with all rights reserved, unless otherwise indicated.