Os fatores sociais e subjetivos ao processo de desistência do crime : a perspetiva de reclusos reincidentes

Abstract

A desistência do crime, bem como todo o seu processo e fatores que lhe estão associados, consubstancia um dos principais objetos de estudo da criminologia na atualidade. Conforme a literatura, a desistência do crime baseia-se num processo dinâmico que se traduz no declive de ofensas. Teoricamente, vários autores enumeram fatores para a explicação deste fenómeno, existindo um consenso na ideia de que este resulta da interação entre fatores sociais, fatores subjetivos e do significado atribuído aos acontecimentos de vida pelos indivíduos. O presente estudo teve como objetivo principal captar a perceção de um grupo de reclusos reincidentes sobre o papel dos fatores sociais e subjetivos no processo de desistência do crime. Posto isto, além de discutir as questões conceptuais em torno da desistência do crime, também foram delineados alguns fatores subjetivos e objetivos subjacentes a esta prática, incluindo o casamento, o emprego e a motivação para a mudança, verificando a sua influência e por que razão não apoiavam positivamente a desistência do crime neste grupo amostral. Para alcançar este objetivo realizou-se um estudo qualitativo concretizado através da condução de entrevistas semiestruturadas a 15 reclusos reincidentes atualmente a cumprir pena privativa da liberdade no Estabelecimento Prisional do Porto. Os resultados obtidos salientam a influência de experiências vivenciadas na infância e adolescência, tanto ao nível da formação da personalidade como na sua relação com a desistência do crime. Relacionamentos familiares estáveis, marcados pelo apoio emocional e experiências positivas na infância são, na perspetiva dos participantes, elementos que podem contribuir para uma vida longe do crime. Contrariamente, traumas e adversidades podem gerar problemas emocionais e comportamentais que contribuem para a reincidência criminal. As narrativas dos participantes permitem entender igualmente a importância que o apoio familiar, as relações saudáveis e as oportunidades de emprego têm no processo de reintegração na sociedade e consequentemente na desistência do crime. Acresce que os participantes percecionam as dificuldades de acesso à educação como um problema social que pode levar à criminalidade. Por último, os participantes evidenciam a motivação pessoal e a autoimagem como elementos essenciais para mudar de trajetória de vida. Em suma, resultados são discutidos à luz da literatura teórico-empírica no âmbito da desistência do crime.

The phenomenon of crime desistance, including its processes and associated factors, constitutes a primary focus of contemporary criminological studies. According to the literature, crime desistance is based on a dynamic process reflected in the decline of offenses. Theoretically, various frameworks enumerate factors explaining this phenomenon, with a consensus that it results from the interaction between social factors, subjective factors, and the meaning individuals attribute to life events. The main objective of this study was to capture the perceptions of a group of recidivist inmates regarding the role of social and subjective factors in the crime desistance process. In addition to discussing conceptual issues surrounding crime desistance, the study also outlined some subjective and objective factors underlying this practice, including marriage, employment, and motivation for change, assessing their influence and why they did not positively support crime desistance in this sample group. To achieve this objective, a qualitative study was conducted through semi- structured interviews with 15 recidivist inmates currently serving sentences at Porto Prison. The results highlight the influence of experiences during childhood and adolescence on personality formation and their relationship with crime desistance. Stable family relationships, marked by emotional support and positive childhood experiences, are perceived by participants as elements that can contribute to a life away from crime. Conversely, traumas and adversities can generate emotional and behavioral problems that contribute to criminal recidivism. Participants' narratives also underscore the importance of family support, healthy relationships, and employment opportunities in the reintegration process and, consequently, in crime desistance. Additionally, participants perceive the difficulties in accessing education as a social problem that can lead to criminality. Lastly, participants emphasize personal motivation and self-image as essential elements for changing their life trajectory. In summary, the results are discussed in light of the theoretical and empirical literature on crime desistance.