"Refiguração" do espaço privado contemporâneo : a "casa portuguesa" repensada

Abstract

Esta dissertação tem como objeto de estudo a evolução do habitar privado no século XX em Portugal, começando na “casa portuguesa” de Raul Lino, como paradigma dos ideais do Estado Novo, passando pela sua tentativa de uma conveniente aproximação aos princípios modernistas e, por fim, a sua adaptação a uma domesticidade contemporânea da casa e a sua consequente “refiguração”. Pretende-se demonstrar como evoluiu o conceito de habitar na “casa portuguesa”, desde os tempos da ditadura até à sua (necessária) “refiguração”, apelando a uma forma mais contemporânea de habitar o espaço nos dias de hoje. Numa primeira parte é introduzida a origem da “casa portuguesa”, onde é feito um enquadramento histórico e social que a revela como paradigma da ideologia do Estado Novo. De seguida, abordando o livro “Quem casa quer casa”, é contraposto esse ideário do regime sobre a “casa portuguesa”, de uma domesticidade tradicional e conservadora, com a falsa abertura ao “progresso”, ideia que o governo de Salazar tentou passar aos países democratas que ameaçavam a ditadura em Portugal. A esta dicotomia que o livro retrata, de uma perspetiva mais portuguesa, segue-se uma análise à evolução da domesticidade aos olhos de alguns dos principais filósofos e sociólogos que debateram o tema, demonstrando como inicialmente o conceito de domesticidade era mais próximo do pensamento do Estado Novo e como, com o passar do século, se afasta progressivamente da ideologia da “casa portuguesa”. O mundo exterior, que Salazar procurava ofuscar dos portugueses, passou a fazer parte das nossas casas. Por último são apresentados três casos de estudo que abordam três bairros diferentes construídos pelo regime: Restelo, Alvalade e Estacas. A cada um deles correspondem programas de habitação com legislação específica que, por sua vez, demonstram como o Estado Novo procurou manter uma identidade tradicionalista no que à domesticidade da casa diz respeito, simulando, no entanto, uma aparência de evolução e progresso.

This dissertation has the study objective of analyzing the evolution of private dwelling in the XX century in Portugal, beginning with the "Portuguese house" of Raul Lino, as a paradigm of the ideals of the “Estado Novo”, passing through his attempt at a convenient approximation to the modernist principles and, finally, its adaptation to a contemporary domesticity of the house and its consequent "refiguration". It is intended to demonstrate how the concept of living in the "Portuguese house" evolved from dictatorship period to its (necessary) "refiguration", appealing to a more contemporary form of living space in current times. The origin of the "Portuguese house" will be introduced in a first part, where an historical and social framework is presented, revealing it as a paradigm of the Estado Novo’s ideology. Then, referencing the book "Quem casa quer casa", the regime’s ideology of the "Portuguese house" is opposed, in a traditional and conservative domesticity, with a false pretence to "progress", an idea that Salazar's government tried to pass on to the democratic countries that were viewed as a threat to the dictatorship in Portugal. To this dichotomy that the book portrays from a more Portuguese perspective, follows an analysis of the evolution of domesticity as viewed through the eyes of some of the leading philosophers and sociologists who argued the subject, demonstrating how the concept of domesticity was initially closer to the thought of the Estado Novo and how, with the passage of the century, it progressively departs from the ideology of the "Portuguese house." The outside world, which Salazar tried to conceal from the portuguese people, became part of our homes. Finally, three case studies are presented that analize three different neighborhoods built by the regime: Restelo, Alvalade and Estacas. Each of them corresponding to housing programs with specific legislation that, in turn, demonstrated how the Estado Novo sought to maintain a traditionalist identity in the domesticity of the house, while simulating an appearance of evolution and progress.